"...E disse Deus ao jovem casal, que tinha uma vida inteira pela frente,
com a perspectivas de viagens, passeios, conhecer praias e catedrais,
poder absolver o conhecimento dos séculos e universos, e ter todo o
prazer que um casal que se ama pode proporcionar uma ao outro,
livremente:
-De todo o prazer que se puder proporcionar a suas vidas, usufrua, mas
não prove da fonte que altera o centro intelectual e nervoso do seu
corpo, o cérébro. O que fizer isso, certamente morrerá...
A vida ia bem naquela pacata e pequena familia que se formava, até que
um dia, o diabo, sempre ele, resolveu botar areia no angú daquele casal,
a quem Deus escolheu abençoar. Trabalhou - o diabo - cedo na cabeça de
um moço, sugerindo ideias - de dia e de noite - que justificavam a
venda do fruto que aquela árvore proibida gerava, até que então, o moço
incorporou as ideias do maligno e começou a vender aquele lixo. Não
chamavam-no serpente: alguns diziam "patrão", outros “chefe da boca”, e
a polícia se referia a ele como "traficante".
Simpático e bem apessoado, se aproximou de um deles (se era Eva ou Adão não interessa no caso) e disse:
-E aí? Quer dar um peguiha?
-O que vem a ser isso? - perguntou Adão, ou Eva, tanto faz.
-Uma parada da hora! Experimenta! - ofertou o diabo, pela boca do, então, perigoso moço.
-Mas o que isso faz? - questionou um do casal.
-Faz vocẽ ficar bem louco... ver o mundo de outra perspectiva, dá um novo entendimento da Existência...
Adão, ou Eva, independente de quem foi, recuou:
-Mas isso é do fruto que altera o centro intelectual e nervoso do seu corpo, o cérébro? Isso me matará!
-Conversa de Deus, morre nada. Que ver? Pode dar um “tapa”, vai fundo.
Tenho cara de quem mente? Dá uma baforada, segura a fumaça e espera a
sensação... põe a boca no cachimbo... traga... Tu vai perceber que esse
Deus acha que só Ele pode lidar com nossas almas. Um novo mundo vai se
abrir, tenta aí... tá sentindo?
E com um dialogo mais ou menos assim, Eva – ou seu marido, tanto faz –
fumou crack pela primeira vez. Percebeu o outro conjugê, o que ainda
não tinha usado, que seu parceiro parecia feliz, satisfeito de uma forma
nunca dantes vista, e por isso, animou-se a experimentar pela primeira
vez no paraíso (o que deixou de ser paraíso na mesma hora e
transformou-se em ruínas), tinhamos um casal “noiado”.
Quando Deus apareceu para ver suas criaturas protegidas, sentiu o cheiro
do veneno e percebeu tudo: como é comum no crack, os dois se viciaram
nunca única dose, e teria um longo caminho até conseguir - se
conseguissem – restaurar aquelas vidas:
-Adão? Eva? Por que estão se escondendo de Mim?
-Ô Paizão! - disse Adão. “Nóis tamo muito louco” e não queriamos que o Senhor nos visse nesse estado.
-Como sabem que estão em estado de loucura? Beberam da fonte proibida?
Perguntou Deus ao que usou por último:
-Quem foi que te obrigou a isso?
-O conjugê que tu me deste! Fez-me errar... - tentou empurrar a culpa.
Deus então foi ao outro:
-E quem te trouxe isso?
-O patrão, meu bom Deus... ele disse que era de graça... o moço
simpático e convincente que nos convenceu. Ele disse que você não fora
100% sincero...
Deus sabia que o diabo tinha feito seu trabalho, mas o casal não.
Deixaram a infelicidade entrar, mesmo quando sabiam que infringir uma
regra simples do Criador não seria ruim para Ele, e sim para quem a
infringisse.
Muitos pensam que Deus os amaldiçoou depois, mas no exato momento que
experimentaram “o lixo”, se amaldiçoaram, viciaram-se irremediavelmente.
O casal tornou-se como zumbis, vivendo para o fruto da fonte, se
acabando gradativamente, até que a tal morte prevista os consumiria
definitivamente. Diga-se de passagem, em determinado ponto da vida, ele
desejaram profundamente essa morte, como se deixar de existir fosse
solução para resolver a Vida. A morte nada tem haver com ela.
O traficante-serpente foi amaldiçoado, e nunca se aposentaria, vivendo
para morrer pela sua fonte de renda, levando as mortes pelo tráfico em
sua história de vida. Nunca dormiria em paz, nunca se livraria dos
corruptos e dos invejosos, igualmente seduzidos pelo engano do capeta,
fazendo com que vivesse de comer do pó da terra, tornando-se
sistematicamente seres temidos, sem jamais encontrar paz em sua curta
vida por esse mundo. Tudo porque, em nome do benefício próprio, ajudavam
a perversa roda do sistema social continuar destruindo famílias, quando
viciavam seus membros e implodiam suas existências."