Voa, gaivota, voa!
Danute irrompeu no pátio a correr. Olhou à sua volta e gritou:
— Romas!
— O que tens? — perguntou Romas, que estava no jardim, por detrás do poço, trincando uma maçã.
— O Vilius anda à tua procura!
— Que quer ele?
— Tem uma gaivota.
— Uma gaivota? — Romas fez uma careta. A maçã estava verde.
— Pequena. Tem uma asa ferida. Dá cá uma maçã!
— Toma! — Romas arrancou uma e estendeu-a à menina. — Só que estão verdes.
Com a maçã na mão e depois de ter acalmando a respiração, Danute explicou:
— Sabes, quer vender-te a gaivota. Vamos!
A verdade é que Mykolas, o irmão mais velho, tinha dado a Romas uma nova moeda de rublo — um rublo! — para comprar gelados. Claro que Romas logo se gabara disso à rapaziada. Quando Vilius soube, os olhos cintilaram-lhe de inveja. Chamara mentiroso ao Romas. Então, este meteu-lhe a moeda debaixo do nariz: é ou não verdade?
Vilius sentiu até náuseas ao ver o dinheiro, sem compreender que necessidade dele teria aquele fedelho! Claro que ia gastá-lo numa bugiganga qualquer! Ele, Vilius, sim, sabia como o empregar: comprava, por exemplo, uma bobina de linha de pesca! Cortava a linha em pedaços e trocava-os com a rapaziada por outras coisas… De qualquer maneira, havia de surripiar a moeda ao Romas. Mas como?
Vilius passou dois dias dando cabo da cabeça, mas não encontrou estratagema de jeito.
Naquele dia, entretanto, apanhara na costa uma gaivota ferida e decidira tentar a sorte. Mandara Danute chamar Romas e ficou à espera empoleirado em cima de um barco virado. Os seus cálculos bateram certo: Romas e Danute chegaram à costa pouco tempo depois.
Quando Romas se aproximou, Vilius, sempre sentado em cima do barco, mostrou-lhe a gaivota e perguntou:
— Queres comprá-la?
Os olhos da gaivota suplicavam, cheios de medo.
— Não a apertes tanto — pediu Romas. — Estás a magoá-la!
— Coitada! Quem lhe teria ferido a asa? — Danute quis fazer- lhe festas, mas Vilius bateu-lhe nos dedos:
— Não lhe mexas! — E para Romas: — Dá cá o dinheiro, e fica com ela. Se a curares, terás uma gaivota em casa.
Romas tinha pena do pássaro.
— É possível curá-la? — perguntou.
— Não custa nada! Mas como é? É pegar ou largar, não tenho tempo para conversas.
— Aceita! — sussurrou-lhe a menina, quase a choramingar. Também estava com pena da gaivota. — Aceita. Tratamos dela. Eu ajudo-te.
Romas hesitava, pois poderia precisar do rublo para outra coisa.
— Então, estás com pena do dinheiro? — provocava-o Vilius. — O que dizes?
— Compro!
— Então, passa para cá a moeda!
Romas correu a toda a pressa para casa. Aqui encontrou o avô, a quem contou atabalhoadamente o que se tinha passado. Disse-lhe que tinha muita pena da gaivota.
— Claro — disse o avô em tom compreensivo e dando-lhe pancadinhas no ombro.
Vilius pegou na moeda e deu a ave a Romas. Ambos ficaram contentes. Com a gaivota ferida contra o peito e acompanhado de Danute, Romas caminhou para casa.
Depois de examinar a asa ferida, o avô disse:
— Fizeste bem! Vamos curá-la. Teremos mais uma gaivota viva neste mundo.
Só então Romas se sentiu realmente satisfeito. Embora ainda tivesse pena da moeda de rublo…
— Ora bem… Primeiro, vamos ligar a asa… — O avô trouxe a gaze e começou a fazer umas talas.
Quando a mãe voltou do trabalho, viu aquilo e perguntou severamente:
— O que se passa aqui?
— Estamos a tratar de uma gaivota — respondeu Romas.
— Muito bem, mas é melhor montarem o hospital na arrecadação — aconselhou a mãe.
A arrecadação, onde se instalaram momentos depois, era realmente um óptimo lugar para tratar da gaivota.
O avô estava tão feliz como Romas por prestar socorro à gaivota.
— Vamos arranjar qualquer coisa para pôr no fundo da caixa, onde ficará muito bem — sugeriu.
— E quando ficar boa? — quis saber Romas.
— Veremos então o que fazer. Para já, vai com Giedrius à pesca. A gaivota é uma ave que tem sempre fome.
A doente foi presenteada com um jantar de doze percas. Mas estava sem apetite. Talvez lhe doesse a asa. Comeu só quatro peixes, e dos mais pequenos.
No dia seguinte, já estava melhor. Um dia depois, não podendo ficar mais na caixa, começou a dar pulos, arrastando a asa ferida pelo chão. Romas, Giedrius, Danute e Ruta tiveram de ficar sucessivamente de guarda à entrada para manter a ave ao abrigo dos gatos, que andavam à espreita.
Toda a gente tinha pena da gaivota, e pensava com alegria que o avô ia curá-la e ela tornaria a voar. Até o Ignas passou pela arrecadação.
— Mostra-me lá a tua gaivota — pediu.
O pássaro estava sentado em cima de uma pilha de lenha.
— O Vilius é um espertalhão — disse abanando a cabeça. — Trocou esta porcaria por um rublo. Caíste como um patinho!
Romas respondeu-lhe com as palavras do avô:
— Teremos mais uma gaivota neste mundo.
— Ora, meu filho — sorriu Ignas. — Só que daqui a pouco terás de soltá-la. Não vai ficar aqui a vida toda. E ficarás sem a gaivota e sem o dinheiro.
Romas ainda não pensara nisso. Talvez o Ignas tivesse razão: quer quisesse quer não, um dia teria de soltá-la. Agora, já queria que não melhorasse tão depressa!
A gaivota, porém, era nova e o avô tratava-a bem. Restabelecia-se rapidamente. Já voava pela arrecadação, chocando contra as paredes. «Oxalá não se magoe mais, pois na arrecadação há tanta coisa: lenha, ferramenta do avô, aparelhos de pesca do pai» — pensava Romas.
— Acho que é tempo de soltá-la — disse o avô certo dia. — Que pensas?
O coração apertou-se-lhe. Estava a ponto de chorar. Mas não era um bebé! Reprimiu as lágrimas, embora a ideia da separação continuasse a causar-lhe imensa tristeza.
— Não existem gaivotas domésticas. Não são como as galinhas — disse o avô, meneando a cabeça para convencer Romas.
— Precisam de liberdade.
Mas ao ver que Romas só com grande esforço continha as lágrimas, sugeriu com um sorriso:
— Está bem. Deixa-a ficar mais uns dias.
Estavam na arrecadação. A gaivota, como que compreendendo que os homens não queriam pô-la em liberdade, voou, bateu no tecto e caiu em cima das canas de pesca do pai.
A ave lançou a Romas um olhar muito, muito triste.
— Não! — gritou Romas. — É melhor deixá-la voar!
Quis apanhar a ave para levá-la para a costa, mas esta não se deixava caçar.
Embora com grande dificuldade, só o avô conseguiu agarrá-la. O rapaz apertou a gaivota contra o peito e sentiu um coração bater mais depressa. O dele ou o da ave? Não sabia.
— Vamos, avô.
Chegaram à costa. Juntaram-se-lhes logo Giedrius, Danute e Ruta.
O mar estava calmo, o céu sem nuvens, o ar transparente. À superfície viam-se gaivotas. Daí a pouco, teriam mais uma companheira.
— Voa — disse o rapaz, atirando a gaivota ao ar.
A gaivota levantou voo.
Romas nem sentia que as lágrimas lhe turvavam os olhos.
E não era do dinheiro que tinha pena!
Viktoras Miliünas
Voa, gaivota, voa
Edições Ráduga Moscovo, 1987
Voa, gaivota, voa
Edições Ráduga Moscovo, 1987
Ternura
És terno quando mostras afeto pelas pessoas e pelos animais
e tomas cuidado para
não magoar ninguém
com palavras ou
atitudes desagradáveis.
e tomas cuidado para
não magoar ninguém
com palavras ou
atitudes desagradáveis.
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